quinta-feira, 24 de março de 2011

"Agora como sempre, confio nos Portugueses e no seu julgamento. Agora como sempre, confio em Portugal"

Declaração de José Sócrates ao país(23/03/2011)

Consulte AQUI o vídeo.


Portugueses:

Hoje, todos os partidos da Oposição rejeitaram as medidas que o Governo propôs para evitar que Portugal tivesse de recorrer a um programa de assistência financeira externa. Fizeram-no sem apresentar qualquer alternativa a essas medidas de consolidação orçamental. Fizeram-no recusando qualquer negociação, qualquer compromisso, qualquer espaço para o diálogo político. De forma consciente, a Oposição retirou ao Governo todas as condições para continuar a governar. Em consequência apresentei ao Senhor Presidente da República a demissão do cargo de Primeiro-Ministro. Tenho consciência da seriedade desta situação e quero, por isso, dirigir-me aos portugueses.

Desde há vários meses que tenho lutado por um propósito que considero absolutamente fundamental: proteger o País da necessidade de recorrer a um programa de ajuda externa para que Portugal não ficasse na situação da Grécia e da Irlanda.

Sempre alertei para as consequências profundamente negativas de um programa de ajuda externa. Sei bem o que isso significa.

Em primeiro lugar, esse programa tem consequências profundamente negativas para a imagem, para o prestígio e para a reputação nacional. Há toda a diferença entre um país que se propõe resolver os seus próprios problemas e um país que tem de recorrer à ajuda externa para acudir aos problemas que não consegue resolver.

Em segundo lugar, um programa de ajuda externa tem consequências profundamente negativas para as pessoas, para as famílias e para as empresas. Basta ver o que se passa com os países que recorreram a essa intervenção para compreender que ela impõe medidas muito mais duras de austeridade e contenção.

Por isso, e até ao último minuto, mantive total disponibilidade para dialogar com todos e para negociar os ajustamentos que fossem precisos para a verificação de um consenso que salvaguardasse o interesse nacional. Ao longo destes dias, fiz inúmeros apelos à responsabilidade e pedi a todos que pensassem duas vezes no que iam fazer. Lamento que tenha sido o único a fazer esse apelo; e lamento ainda mais que nenhuma força política tenha respondido a esse apelo.

O programa que Portugal apresentou colheu o apoio inequívoco da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e dos nossos parceiros da zona euro. Lamento que esse apoio tenha sido agora deitado por terra. E lamento que o tenha sido por mero calculismo político. Porque uma única razão explica esta crise: a sofreguidão pelo poder, a impaciência pelo poder.

Quando o programa de consolidação é apoiado pelas instituições europeias, há quem faça tudo para destruir essa vitória. Quando o Estado português precisa de ter uma voz forte na Cimeira Europeia, há quem não hesite em enfraquecer irremediavelmente as instituições portuguesas. Quando o interesse nacional deveria estar acima de qualquer outro interesse, há quem não hesite em colocar o interesse político-partidário acima do interesse nacional.

Esta atitude de obstrução à acção do Governo não é nova. Pelo contrário, fez-se sentir desde o início das funções do Governo. Um Governo que, quero recordar, está em funções em resultado da única fonte de legitimidade das democracias: a vontade popular. E as forças de Oposição que hoje rejeitaram o PEC são as mesmas forças que nunca se dispuseram a partilhar as responsabilidades da governação – e que, verdadeiramente, nunca se conformaram com a vontade que o povo exprimiu nas últimas eleições.

Mas, hoje, no Parlamento, a obstrução foi levada a um limite que é intolerável. Já não se trata de obstruir a acção do Governo, trata-se de bloquear o País.

Esta crise política era evitável – bastava haver espírito de diálogo. Esta crise era desnecessária – visto que nem sequer havia qualquer imposição legal de votação do PEC. Esta crise é totalmente inoportuna, provocada no pior dos momentos, a um dia de uma Cimeira que é decisiva para Portugal e para a Europa.

Pode haver quem pense que hoje obteve uma vitória no jogo político. Estreiteza de vistas! Quem assim pensa não está a olhar para o essencial. O que se passou hoje não tem a ver comigo, não tem a ver com o Governo, tem a ver com o País. E, hoje, estou convencido, o País perdeu, não ganhou. Hoje, acrescentou-se às dificuldades económicas a instabilidade política. Hoje, a irresponsabilidade triunfou sobre o sentido de Estado. Hoje, a recuperação da economia e o bem-estar das famílias ficaram reféns do calculismo político mais imediato.

E quero ser claro: esta crise política, neste momento, tem consequências gravíssimas sobre a confiança que Portugal precisa de ter junto das instituições e dos mercados financeiros. E, por isso, os que a provocaram, sem qualquer fundamento sério e sem alternativas, são responsáveis pelas suas consequências.

Pela minha parte, sinto que estou a cumprir o meu dever. Apresentei as medidas difíceis e exigentes que considerei necessárias para que o País pudesse superar a actual crise das dívidas soberanas. E fi-lo com uma única preocupação no meu espírito: defender o que entendo ser o interesse nacional, proteger o País da necessidade de recurso a ajuda externa.

Mas quero dizer aos portugueses que o País não ficou sem Governo. Que podem contar com a mesma atitude e com o mesmo sentido institucional de sempre. O Governo cumprirá totalmente o seu dever, dentro das competências que são próprias de um Governo de gestão, com a consciência da gravidade da situação para que o país acaba de ser atirado. A crise política só pode ser resolvida pela decisão soberana dos Portugueses. Com a determinação de sempre e a mesma vontade de servir o meu País, irei submeter-me a essa decisão.

Muita gente, ao longo de seis anos de exercício das funções de Primeiro-Ministro, me acusou de ser excessivamente voluntarioso ou excessivamente optimista. Deixo esse julgamento a outros. O que sei é que tenho confiança na energia, na vontade e na capacidade dos Portugueses.

Vivemos tempos difíceis, mas saberemos vencê-los. Fomos arrastados para a instabilidade, mas saberemos superá-la. A ansiedade pelo poder levou alguns a pôr em causa o interesse nacional, mas saberemos defendê-lo.

Sejamos, pois, claros. Uma coligação negativa, de forças que nada mais une a não ser a vontade de abrir uma crise política, impôs a demissão do Governo, porque lhe retirou as condições mínimas para a governação exigente que temos pela frente.

Esta crise acontece no pior dos momentos para Portugal. Mas os Portugueses saberão dar-lhe resposta. Com mais dificuldade, com mais trabalho, mas com a mesma determinação de sempre. Agora como sempre, confio nos Portugueses e no seu julgamento. Agora como sempre, confio em Portugal.

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